domingo, 31 de julho de 2011

ELUCUBRAÇÕES NA TERRA DE DOM QUIXOTE CONTEMPORÂNEO – parte 2



Escrever desmedidamente e produzir ruminando sobre o que aprendeu regurgitando algo a mais além da mesmice. Isso é fato. Nessa esteira, pelo menos em tese, a própria vida se encarrega de sinalizar em favor do que foi raciocinado – veja bem: raciocínio sempre se guinado pela dúvida e, por não acreditar, buscar provas que desconstruam o pensamento. Assim, tive a satisfação de conhecer o filósofo e psicanalista Luiz Felipe Pondé, doutor em Filosofia pela USP/Universidade de Paris e pós doutorado em Epistemologia pela Universidade de Tel Aviv.

Confesso que títulos pouco me impressionam. Títulos qualquer um pode ter com esforço, oportunidade e vontade. Entretanto, os frutos intelectuais (produção) advindos desse título, esses sim, me mostram que ainda vale a pena estudar.

Confesso também que não conhecia Pondé nem suas ideias, todavia ao ler uma de suas entrevistas e visitar seus textos pude compreender que sua magnitude extrapola a compreensão de quem teima em olhar pelo senso comum. Assim, trouxe uma parcela de seu inconformismo para somar à vontade de escrever sobre essa relação entre homem e o uso de substâncias psicoativas.

Então, para iniciar essa discussão, faço uso da lembrança realizada por Ponde na entrevista que li. Segundo Aristóteles, nenhum homem pode proclamar sua própria virtude. A virtude de um homem deve ser divulgada por outros homens. Bem, se a sociedade permanecesse inerte em sua maledicência, o enunciado de Aristóteles permaneceria com valor inquestionável. Mas o que dizer dessa afirmação diante do mundo contemporâneo?

Pois bem, nessa linha de raciocínio, é que contesto os “pseudo” estudiosos que aproveitam o clamor social revelado pela mídia nacional e local para dar vazão ao vazio de suas falácias intelectuais posto que visitam antigas ideias e tentam, a todo custo – principalmente financeiro – emplacar experiências que nascem mortas no que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas pelo Homem.

Aliás, experiências malogradas natimortas guiadas pela necessidade de receber aporte financeiro focado somente nas drogas e na dependência química. Experiências que insistem sempre em palavras como processo, construção, discussão, aporte intelectual e outras tantas para nomear a inércia intelectual de se discutir o sexo dos anjos enquanto o consumo de substâncias psicoativas aumenta avassaladoramente.

Esses processos, estudos, construções, discussões ou qualquer nome que seja ignoram a relevância do tema e a necessidade de uma discussão muito mais focada na transdisciplinaridade que o tema requer e na compreensão do papel do sujeito nessa relação com as substâncias psicoativas. Dotar a população desses conhecimentos terá um efeito preventivo cuja extensão se replicará no futuro.

Essa é a linha que deveria ser adotada e não se fechar em “laboratórios” em busca de fórmulas genéricas para aplicação nos mais diversos estágios do uso de substâncias psicoativas, seus danos, efeitos etc. Cada “fórmula” deve nascer de uma realidade próxima daquele contexto social o qual o homem está inserido. Para isso os estudos devem ser localizados, todavia, sem perder a visão do todo, pois ignorar o sistema de convivência social em plena era virtual é olvidar do poder da comunicação. Cada descoberta e experimentação científica devem ser amplamente divulgadas sem o receio de os autores ficarem sem os seus “créditos”. A divulgação fará com que cada região proceda a uma adaptação e crie algo novo e assim sucessivamente até o ponto em que haverá uma significativa redução do uso de substâncias psicoativas, pois a repressão “empurra” a relação Homem e substâncias psicoativas para outros espaços de convivência os quais não sabem lidar com o problema e passam a recorrer à repressão, à proibição como primeiro recurso olvidando da força da educação e da prevenção acerca do tema.

Ao contrário da divulgação, existe uma corrida desmedida em busca de recursos financeiros para dar aporte a projetos miraculosos onde a teoria dá lugar à prática – ou experiências práticas pautadas em teorias que dão supedâneo a outras práticas e assim por diante. O derrame de dinheiro em propostas para por termo ao problema do uso de substâncias psicoativas cria uma falsa expectativa e alardeia soluções que se dissolvem na chuva de notícias do avanço do consumo dessas substâncias e da mostra na mídia da relação danosa que seu uso provoca.

Essas falsas expectativas ganham contornos de medo social, aliás, terror social, principalmente quando supostos estudiosos invadem o espaço midiático ora pra dizer que a “guerra contra as drogas está perdida” ora pra discursar sobre as consequencias do uso de substâncias psicoativas sem realmente propor soluções ou pelo menos indicar um caminho que não seja aquele de estar esperando recursos financeiros do poder público ara desenvolver um projeto em um lugar tal.

Ação. Agir. Atuar. Desenvolver uma atividade sem esperar que esses recursos se originem do céu governamental é enfrentar realmente essa problemática partindo do primeiro passo. Ou seja, teorizar nas universidades em grupos de pesquisa e experimentar e experienciar nos locais e grupos sociais próximos dessa realidade acadêmica para, em seguida, divulgar os resultados sempre considerando a importância da informação, do conhecimento, respeito aos saberes e conhecimentos de cada contexto social, responsabilizando-se e dando responsabilidade para que os atores envolvidos no processo de desconstrução do uso de substâncias psicoativas possam desenvolver o sentimento de pertencimento com esse processo e possam engajar-se de forma completa envolvidos, pois se enxergam naquela comunidade num processo de identificação e necessidade de uma “limpeza” desse problema.

Nesse contexto, o dinheiro é importante, pois existem questões secundárias. Dinheiro é importante, mas não quer dizer que seja primordial. Torna-se relevante para o suporte de um processo maior que requer simplesmente boa vontade em realizar estudos e pesquisas propondo respostas, como outrora dito, com base na realidade social do sujeito pesquisado e não se objetivando realizar um processo de aculturação do sujeito envolvido.

Conhecimento, pensamento crítico sem utopias. Raciocinar com base na realidade local considerando a aldeia global. Levar o poder e a força do conhecimento para que a comunidade se encontre, enxergue a si mesma e possa, por meio de uma leitura autocrítica, erguer a vista para um horizonte menos tempestuoso em relação ao uso de substâncias psicoativas.

Escrever desmedidamente e produzir ruminando sobre o que aprendeu regurgitando algo a mais além da mesmice. Isso é fato. Nessa esteira, pelo menos em tese, a própria vida se encarrega de sinalizar em favor do que foi raciocinado – veja bem: raciocínio sempre se guinado pela dúvida e, por não acreditar, buscar provas que desconstruam o pensamento de que a “guerra contra as drogas está perdida” ou que é necessário o derramamento de milhões de reais para aplacar a fome e a sede de uma guerra fria entre a medicina e as comunidades terapêuticas que, enquanto lutam pela hegemonia do saber e prevalência de suas terapias/tratamentos, deixam de compreender a relação histórica entre o homem e o uso de substâncias psicoativas.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

CAMUS, KADAFI E A DITADURA DAS DROGAS


Conheci o Homem Revoltado de Albert Camus por intermédio de uma amiga. Ao me aproximar de Camus pude entender o sentimento que move a população que suporta a repressão das forças armadas conduzidas pelo general Muammar Kadafi, que comanda a Líbia desde 1969. Depois de quatro décadas, os libaneses resolveram dizer “não”. Provavelmente mais de mil pessoas já foram mortas na repressão desencadeada aos protestos contra o governo centralizado de Kadafi. Essa revolta é a contraposição à ordem ditatorial que oprimiu além do que se poderia admitir.

O protesto líbio nasceu do espetáculo da opressão propagada pelo governo Kadafi ao longo de 40 anos de regime centralizado. Por meio da identificação com o martírio do outro, os libaneses se insurgiram e, com a própria vida, querem a liberdade. Trata-se do escravo que passou a contestar o senhor e agora quer se libertar das amarras protestando e contestando o estado de escravidão.

Em pleno século 21, resguardadas as proporções, nos parece que a liberdade ainda não chegou a determinadas esferas de poder, parece que alguns governantes – como Kadafi – não percebem a tomada de consciência do ser humano.

Assim, podemos deduzir que essa revolta é o ato de uma população informada que tem consciência de seus direitos. Pelo menos é o que se presume. Pode ser que sim. Pode ser que não. Todavia o que vale ressaltar é a coragem libanesa no enfrentamento ao governo centralizador. Para minimizar o problema, Kadafi culpou a juventude libanesa, a imprensa internacional, o terrorismo islâmico e os Estados Unidos pelo caos no país. Para ele, a imagem da Líbia está sendo "distorcida" perante o mundo.

Enquanto os libanenes pagam a liberdade com a vida, no Piauí a ditadura das drogas se aproxima do fim. Assim, como na Líbia devemos nos unir para enfrentar um problema que destrói as famílias e o Estado. Como Albert Camus, devemos nos indignar diante do espetáculo da (des)razão das drogas e da condição injusta e incompreensível que um dependente químico e sua família são submetidos pelo vício em crack ou quaisquer outros tipos de drogas. No Piauí, a população deve tomar consciência sobre o enfrentamento das drogas.

Assim como o Homem Revoltado de Albert Camus, esse movimento de indignação contra as drogas não quer dizer um movimento egoísta, mas as suas determinações devem ser egoístas porque toda família é uma provável vítima do consumo de drogas, pois o vício não escolhe classe social nem discrimina credo nem cor e tampouco sexo.

A indignação contra as drogas é um passo para a libertação contra as amarras do vício que atingem milhares de pessoas no Piauí. Trata-se de sair da estagnação e discutir o problema enfrentando-o de frente sem falsos moralismos ou pudores pueris diante da gravidade do problema da dependência química. Assim como o Homem Revoltado de Albert Camus, em pleno século 21, a indignação contra as drogas trata-se de um ato de pessoas informadas que tem consciência do direito de viver uma sociedade livre das consequências das drogas.

DROGAS: REPRIMIR OU EDUCAR?



O que estamos fazendo com os jovens nesse País? Especialmente como lidamos com os jovens usuários de drogas que cometem atos infracionais? À primeira e à segunda pergunta a resposta é NADA!

Cerca de 30 projetos tramitam no Congresso Nacional com objetivo de ampliar o tempo de internação do adolescente em conflito com a lei aumentando-o de três para cinco, oito e até 10 anos (pasmem, 10 anos!). Outro objetivo é o de modificar a idade de liberação compulsória para 24 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente a idade máxima é de 21 anos.

Sem muitas delongas, vamos direto ao ponto. Será que utilizar uma reforma na lei para “seqüestrar” a adolescência do jovem infrator é a melhor solução?

As discussões – mais uma vez – giram em torno da simples tarefa de apreender, punir, punir, punir e, de novo, punir pelas reincidências. Não se discutem meios e modos, alternativas de enfrentamento que perpassem pela Educação, pelo exemplo de conduta, pela fraternidade, pelo amor ao próximo. Simplesmente os projetos de lei atendem ao imediatismo social provocado pela necessidade de agir. Todavia, as discussões não deveriam ser de aumento da sanção ou redução da maioridade penal. Deveríamos agir pautados pela Educação. Chega de discussão. A hora é de agir.

As escolas sejam da rede pública estadual e municipal sejam da rede privada de ensino sofrem com o problema da drogadição. Em especial, os professores que são as primeiras vítimas do comportamento de jovens dizimados pela dependência química.

Nesse contexto, a educação que deveria ser a primeira forma de enfrentamento torna-se tão simplesmente uma reprodução do comportamento repressor e repressivo que não acolhe nem aborda o jovem dependente químico de forma adequada. O que deveria ser um espaço pedagógico para ensino e aprendizado se transforma em campo de batalha cuja primeira vítima é o professor sem nenhum preparo para conduzir, gerenciar, enfrentar, EDUCAR o jovem dependente químico.

Nesse espaço pedagógico de enfrentamento da drogadição juvenil, a sala de aula tem muito que ensinar sobre o uso e consumo de drogas. Podem ser prevenidos os motivos que levaram aquele(s) jovem(ns) a buscar nas drogas a supressão das ausências ou dos excessos familiares. Nesse espaço pedagógico de enfrentamento da drogadição juvenil, a sala de aula poderia ser o primeiro ambiente de acolhimento e entendimento sobre drogas até porque, é senso comum, que uma parcela considerável dos pais entregam à escola a tarefa de educar – quando o espaço pedagógico deveria ser continuidade e não início.

Para isso, o primeiro passo é dotar o professor do conhecimento suficiente para que possa agir diante de uma situação de risco. Sim, pois o professor, em razão de uma lacuna intelectual em sua formação, reproduz o mesmo comportamento que o restante da sociedade. Ou seja: Recrimina, Reprime e Re-nega ao jovem dependente químico uma oportunidade de tratamento para seu problema de saúde. Mas também o faz porque não sabe uma outra melhor forma de enfrentar e, diante falta de conhecimento, além do medo e a fuga, o 190 é a saída mais viável com a retirada do “problema” da sala de aula.

Isso quer dizer que o professor deve enfrentar o problema através do Conhecimento. Antes de educar, o professor deveria ser dotado desse tipo de conhecimento e educar-se. Alternativas existem. Deveríamos agir pautados pela Educação. Chega de discussão. O momento é de buscar. A hora é de agir.

ELUCUBRAÇÕES NA TERRA DE DOM QUIXOTE CONTEMPORÂNEO - parte 1


Depois de um prolongado silencio obsequioso o qual posso nomear de filosofia do bambu, resolvi aproximar-me da superfície. Nesse caminho de retorno de um exílio em abstrato pude perceber e notar as significativas mudanças que as circunvizinhanças adquiriram. Notei as modificações, mas não as consigo perceber pelo simples fato que estas alterações se limitaram a mudanças... numa expressão mais chula, apenas uma dança das cadeiras num carrossel destinado a permanecer no lugar da mesmice... Não aconteceram as transformações que penosamente causam dor e (re)criam a criatura humana...

Notei que as pessoas se deleitam com a mesmice e com os mesmos e piegas defeitos que em nada acrescentam à evolução da espécie. Ao contrário fazem com que os mesmos velhos problemas ganhem relevância enquanto as soluções ficam esquecidas em algum canto dessa involução humana.

No caminho de retorno pude perceber quão aproxima o estudo, o raciocínio e a reflexão e quão distante nos deixa de pessoas e lugares comuns. Pude observar quantas respostas simples são trocadas por moedas complexas que em nada resolvem os problemas de ordem moral que assolam essa existência mediana e mundana.

Pode até ser uma triste constatação eivada de decepção, todavia, até que me provem em contrário, padeço por, no retorno à superfície, observar a preguiça intelectual que assola as academias que simplesmente reproduzem o mesmo conhecimento ao longo do tempo. O mesmo conhecimento o qual não é submetido a revisões e a constantes análises epistemológicas que, indubitavelmente, conduzem ao raciocínio e a reflexão acerca do mundo considerado numa visão maro e não sob os auspícios de uma ciência especializada e sem relação com o todo.

Peço desculpas pela acidez e abstratismo dos primeiros parágrafos, entretanto, servem para destilar a azedia e as mazelas no intuito de mitigar a mediocridade que permeia as relações humanas. Até que me provem em contrário, as relações interpessoais contemporâneas estão pautadas na fragilidade efêmera dos interesses materiais e na indiscutível vaidade e soberba de destacar-se profissionalmente mesmo que enlevando a morbidade moral e a morbidez ética. Tristes relacionamentos que não resistem mais do que alguns momentos fulgazes, enquanto a solidez do conhecimento e da amizade pautada na descoberta e solução de problemas é relegada ao córrego do suave e amargo esquecimento... esquecimento de que somos humanos e limitados enquanto espécie, mas de ideias duradouras que devem ser lidas e relidas, vistas e adaptadas aos avanços e as necessidades sociais.

Depois de purificar minh’alma descrevendo o que senti devo dizer que esse silêncio obsequioso imposto a mim é consequência da inquietação em não parar satisfeito diante da ditadura da ignorância. Então, como à época o silêncio era a melhor alternativa, simplesmente calei. Todavia, de posse de instrumentos tecnológicos que permitem meu grito mudo ecoar no horizonte virtual, porque simplesmente calar se posso escrever e materializar minha expressa impressão sobre esse mundo herculeamente dinâmico que cabe na palma da minha mão e está limitado à conexão de um computador?

Diante disso e dentre muitas debacles sociais que ganharam vultuosidade e expressão social, no caminho de ida surgiu diante de mim, um problema: a relação do homem e o uso de substâncias psicoativas.

A partir de agora convido cada possível e suposto leitor virtual a acompanhar essa linha de raciocínio que se aproxima da reflexão, da análise e da inquietação...

Advirto: Pensar é uma tarefa imponderavelmente árdua que conduz a respostas demasiadamente simples e soluções práticas que requerem tão somente o desejo de transformar esse mundo em um lugar bem melhor para se viver com o menor uso possível de substâncias psicoativas.

terça-feira, 5 de julho de 2011

OXI, ENTÃO ISSO NÃO EXISTE?

da revista Vice
por BRUNO B. SORAGGI

OXI, ENTÃO ISSO NÃO EXISTE?

Crackeiro é muito troll, gente do céu. Com eles é risos que só — passada a nóia, óbvio. Afinal, não é que os traficantes pegaram todo mundo nessa história de oxi ser mais pesado que o crack, ainda que mais barato (mesmo que com nomes tipo Capitão América e cores várias)? Só que aí a Polícia Federal chegou no começo de junho dizendo que “não considera o ‘oxi’ como sendo uma droga nova, e sim uma diferente forma de apresentação da cocaína” — tudo baseado em estudos comparativos e seguindo práticas mundialmente utilizadas. Ou seja.
Isso mesmo tendo rolado alguns estudos sobre a tal droga, que chamou atenção também da secretária nacional de políticas sobre drogas, Paulina Duarte – ainda que não como epidemia. Enfim, o corta brisa da PF (Nota à Imprensa 054/2011)  começa assim: “Informações recentes de várias fontes sugerem que uma nova droga ilícita, chamada de ‘oxi’, estaria se espalhando por todo o Brasil. Ela seria utilizada na forma fumada e seria muito similar à cocaína na forma de crack: pequenas pedras de amareladas a marrom-claro. Como foi divulgado pela mídia, a cocaína na forma de ‘oxi’ seria diferente do crack por este conter sais carbonato ou bicarbonato, enquanto o ‘oxi’ teria cal (óxido de cálcio) e querosene (ou gasolina) em sua formulação”. Daí que pegaram 20 amostras de “oxi” apreendidas pela Polícia Civil do Acre e outras 23 de cocaína caídas na malha da PF daquele mesmo Estado. “As amostras se apresentavam como pedras e grumos, com coloração variada (branca, amarelada ou marrom-claro).”
Tudo levado pro Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, a parada toda foi submetida a várias técnicas da Ciência. “Dentre elas destacam-se a espectroscopia na região do infravermelho, análise termogravimétrica e análises por cromatografia gasosa, acoplando-se detectores de ionização em chamas ou espectômetro de massas e injetores para soluções ou de fase de vapor” — sem esquecer que análises elementares qualitativas também foram conduzidas segundo procedimentos clássicos de via úmida (determinação de cátions, ânios e açúcares), tudo seguindo classificação dos níveis de oxidação (refino) realizada através da aplicação de critérios do DEA (Drug Enforcement Administration) dos EUA.
Resultado: “As 23 amostras da PF-AC, todas contendo cocaína na forma de base livre, exibiram teores de cocaína na faixa de 50-85% (média de 73%), sendo compostas predominantemente de cocaína “não oxidada”, isto é, na forma de pasta base de coca. As demais amostras foram refinadas (“moderadamente oxidadas” ou “altamente oxidadas”) e se encontravam na forma de cocaína base. Para as 20 amostras de “oxi”, vindas das apreensões da PC/AC, foram observados teores de cocaína na faixa de 29-85% (média de 65%). Dentre elas, 04 amostras apresentavam menores teores de cocaína (29-47%) e quantidades significativas de carbonatos, sendo típicos exemplos da cocaína na forma crack”.
Mais: “Os resultados obtidos por TGA, HS-GSMS e análises qualitativas revelam que não há quantidades significativas de cal (óxido de cálcio) e de hidrocarbonetos (como querosene ou gasolina) nas amostras de “oxi” apreendidas pela PC/AC. Isto é, os resultados deste estudo não confirmam a informação que tem sido vinculada na mídia que quantidades significativas destas substâncias teriam sido utilizadas na formulação da cocaína “oxi””.
“Dentre as 10 amostras restantes de “oxi”, 07 eram compostas de cocaína “não oxidada” e, portanto, classificadas como pasta base de coca (55-85% de cocaína nestas amostras) e as últimas 03 amostras eram compostas de cocaína que passou por algum refino oxidativo e, portanto, classificadas como cocaína base (43-73% de cocaína nestas amostras). O único fármaco adulterante encontrado nas amostras de “oxi” analisadas foi a fenacetina, encontrada entre 0,4-10% em 05 amostras da PF/AC e entre 0,4-22% em 07 amostras da PC/AC.”
E a conclusão foi exatamente aquela, de que não existe uma nova droga no mercado ilícito. “O que se observa são diferentes formas de apresentação típicas da cocaína (sal, crack, pasta base, cocaína base) sendo arbitrariamente classificadas como “oxi”, sem que sejam utilizados para este processo critérios objetivos e técnicos. As amostras de “oxi” analisadas neste estudo não podem também ser classificadas como uma “nova forma de apresentação da cocaína”, uma vez que os componentes majoritários/minoritários e adulterantes encontrados são os mesmos encontrados nas formas de apresentação usualmente apreendidas para esta droga.”
Ufa! Agora posso voltar a pensar em ter filhos. Três no total, que já tenho os nomes. Mas diz aí: alguém sabe de algum doutor barato e limpinho pra eu desfazer minha vasectomia?
BRUNO B. SORAGGI
IMAGEM: REPRODUÇÃO

terça-feira, 21 de junho de 2011

Quem cheira cocaína é responsável pelo tráfico. Quem compra carro é responsável pelos engarrafamentos. Quem deposita dinheiro em banco é responsável pela riqueza dos banqueiros. É assim?

A mídia brasileira  apresenta  as drogas ilícitas quase sempre através de números. Números relacionados com toneladas de maconha e cocaína apreendidas regularmente pela polícia. Mais recentemente a mídia passou a referir-se à quantidade de pedras de crack encontradas com este ou aquele traficante ou usuário-quase-traficante. Quando não é assim, mostra em reportagens pseudoinformativas, excluídos, miseráveis, moradores de rua, pessoas fracassadas na dura experiência de viver em sociedade, e suas relações com as drogas, como se isto fosse o banal, o comum, quando na verdade é a excessão ou, ainda,  como se o consumo de drogas ilícitas fosse um destino inelutável  estampado em abomináveis  outdoors e busdoors em Salvador, onde se via pés de mortos e se podia ler:  "Crack:  é cadeia ou caixão", felizmente  retiradas   dos nossos olhos pela força do bom senso de muitos baianos. O sofrimento é  condição fundamental da existência  humana, o fracasso na vida em sociedade, não. Agora, mais recentemente,  a mídia passou a sugerir que a responsabilidade pelo tráfico é do consumidor: "sem consumidor o tráfico não se sustenta" ou, como sugeriu a Revista Isto É em dezembro de 2010: "Consumo:  a parte mais difícil da luta contra as drogas", além de atribuir aos consumidores de cocaína e maconha em baladas  e o uso de entorpecentes nas praias e nos mais diversos lugares, a responsabilidade pela força econômica do tráfico.  É inacreditável como na maioria dos textos em nossos jornais e revista não se faz a necessária distinção entre os consumidores e os modos de consumo, nem se indica as diferentes possibilidades das substâncias, quer quanto  a capacidade de produzir dependência, quer quanto a capacidade de produzir morte por intoxicação aguda (overdose). Aliás,  já é tempo das pessoas saberem que nem toda droga é entorpecente. Entorpecente, é aquilo que entorpece, produz sono, seda. O melhor exemplo entre nós é a morfina; a cocaína é um estimulante, o oposto da morfina,  assim como o é a anfetamina, todas com grande possibilidade química de produzir morte por parada cárdio-respiratória ou  psicoses e hipertensão.  Lembrar que o crack e o oxi  são a mesma coisa: cocaína impura, básica, associada a produtos  danosos  à saúde física,  como carbonatos,  e supostamente portadores de resíduos de  gasolina ou querosene, sem qualquer comprovação.    A maconha, por sua vez,  é um sedativo com alguma capacidade de produzir transtornos psíquicos relacionados com a concentração de seu princípio ativo o THC (tetrahidrocanabinol), sem qualquer possibilidade de causar morte por intoxicação aguda. Contudo, há indícios de risco relacionado à condução de veículos sob efeito deste produto, tanto quanto alguma  perda da motivação, sobretudo entre usuários de longo curso. Entretanto, este efeito é uma possibilidade, nunca uma determinação e está relacionada ao patrimônio biológico e psíquico de cada um e às  vicissitudes do meio (sócio-cultural)  no qual usuário e substâncias se encontram,  devendo-se considerar, ainda, o estado geral de saúde,  estado nutricional,  e os muitos estados emocionais.  Destas circunstâncias e da ordem subjetiva construída a partir da história de cada um, resulta o imponderável-do-ser-humano,   significado pelo desejo.
Dizer apenas que alguém é "toxicômano" sem uma contextualização "bio-psico-social",  não deveria ter qualquer valor porque não faz sentido, tanto quanto não faz sentido designar todas as substâncias como  entorpecentes. Creio que estes conhecimentos aliados a uma condição não  pré-conceituosa são fundamentais para a informação.
Talvez, se nossa mídia se (in)formasse melhor poderia ter a coragem de escrever à semelhança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, referindo-se à maconha: "antes eu não tinha conhecimento, agora estou melhor informado e por isso reconheço o fracasso da guerra às drogas",  e pedisse desculpas pelo ignorância que ajudou e ajuda a perpetuar .

FONTE: http://conversandocomnery.wordpress.com/

sexta-feira, 10 de junho de 2011

QUEM TEM MEDO DA LEGALIZAÇÃO?

Recentemente, fui entrevistado por duas jovens estudantes do ensino médio de um bom colégio de Salvador. Elas achavam difícil conseguir espaço em minha agenda e por isso recorreram a Patrícia Flach, minha ex-aluna na Faculdade Ruy Barbosa e agora colaboradora das mais atuantes e competentes no CETAD/UFBA. Patrícia é a mãe de uma das duas interessadíssimas estudantes. Entrevista marcada, recebi-as cordialmente tentando reduzir ao máximo a distância que vai de um homem que começa a envelhecer (tenho 66 anos) e duas mocinhas de 16 anos. Celulares postos sobre a mesa, seguiram uma lista de muitas perguntas cuidadosamente elaboradas, como pude constatar. Estavam muito sérias, quase cerimoniosas, dirigindo-se a mim por senhor. Respondi a todas as perguntas sem qualquer pressa; não escolhi palavras fáceis, nem frases “para jovens”. Respondi o que tinha de responder, dentro de minha experiência e do conhecimento que disponho. Não apresentei verdades concluídas, mas minha visão sobre adolescência, violência, tratamento e aspectos legais relacionados com as substâncias psicoativas. No final, feitos os agradecimentos de um lado e outro, pediram para me fotografar. Isto sempre me espanta, mas tento encarar numa boa.
Alguns dias depois da entrevista, Patrícia me informou que “as meninas” estavam irritadas em razão de corte, promovido por professora, a tudo que se referia a minha posição favorável à legalização da produção e comércio das substâncias psicoativas ilícitas. Patrícia estava muito zangada, diga-se de passagem, decidida a escrever uma carta “enquanto mãe”, endereçada à escola.
Deste modo, recebi de Patrícia o e-mail que transcrevo abaixo junto aos comentários que fiz em resposta. Compartilho com todos, esta pequena troca de correspondências, rica em significados e de possibilidades para dialogar, porque importante é poder conversar, discutir, ouvir e ser ouvido. Muitas são as verdades, como muitos são os caminhos.
Eis os textos:
Sou Patrícia, mãe de Paula von Flach. Venho acompanhando otrabalho desenvolvido por Paula e suas colegas com o tema “Meninos do Brasil”, considerando muito pertinente a proposta no sentido do desenvolvimento de uma postura mais crítica e baseada em informações não midiáticas. Nesse sentido, não posso deixar de manifestar minha decepção e, de certa forma, indignação com a forma como a entrevista do Dr. Nery vem sendo desrespeitosamente cortada. Sei que é um tema polêmico, assim como o aborto, eutanásia, extermínio de menores e tantos outros, mas  considero que exatamente por isso é necessário abrir espaços de discussão, com acesso a informações técnicas, que permita  aos alunos se posicionarem criticamente. Poderia citar uma série de revistas e jornais sérios, a exemplo do jornal francês Le Monde, Folha de São Paulo, dentre outros, além de pessoas públicas como três ex-presidentes – dentre eles Fernando Henrique Cardoso -, que discutem o tema da legalização das drogas. O profissional entrevistado, Dr. Antonio Nery Filho, é uma pessoa com notório saber sobre a temática, reconhecido internacionalmente, professor de ética da FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA – UFBA e de Bioética na FACULDADE RUY BARBOSA, ex-conselheiro do CREMEB, criador e coordenador do CETAD, Centro reconhecido internacionalmente e que atualmente tem suas práticas reconhecidas pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas que, inclusive, financiam a implementação dessas estratégias em todo o Brasil, com a coordenação desse Centro. O Estado da Bahia e o Município de Salvador também têm uma parceria com o CETAD, que propõe e implementa suas atuais políticas sobre drogas. Poderia preencher toda essa e várias outras  folhas com informações que ratificam a competência desse profissional sobre o tema sobre o qual foi entrevistado, mas é absolutamente desnecessário… podem acessar seu currículo Lattes.  Tudo isso para dizer que a censura das suas palavras é um desrespeito a ele e aos alunos dessa escola que não são cegos e surdos a uma questão que é tema principal da agenda dos atuais candidatos à presidência e que têm o direito de discutir o tema, concordar ou discordar.
Importante salientar que a defesa da legalização das drogas não é de forma alguma uma apologia ao seu uso, pelo contrário, é uma proposta de regulação pelo Estado de uma
questão  que hoje é regulada por traficantes.

Atenciosamente,
Patricia von Flach


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Patrícia,
Obrigado por suas considerações. Quando recebo jovens estudantes, peso muito o que digo e sou responsável pelo que digo. Assumo riscos, mas não transijo nem considero nossos filhos incapazes de identificar o certo e o errado quando lhes damos as informações necessárias. Aliás, este é um problema: nossos filhos e filhas vivem sem um norte claro, sem a possibilidade de reconhecer a verdade, porque, sobre muitas questões, quase sempre só lhes é dado conhecer a mentira. Sei que a legalização das drogas ilícitas é um tema que incomoda à sociedade brasileira, acostumada aos enganos e superficialidades constantemente apresentados pela grande mídia, atualmente voltada para um gozo incessante e oportunista em torno do crack. Não há como negar a relação entre tráfico e violência num comércio sem fronteiras nem limites. Creio que só a intervenção do Estado colocará um basta neste monstruoso ganho que devora vidas. Se o tráfico (ilegalidade) desaparecer, nos restarão as questões de saúde e as dificuldades próprias aos humanos. Certamente o consumo não desaparecerá, talvez nem diminua; num cenário pessimista, o consumo pode até aumentar; mesmo assim teremos um problema com o qual sabemos e podemos lidar. Retirar a possibilidade de nossos jovens poderem discutir estes aspectos, francamente, é uma droga!
Grande abraço,
Nery


FONTE: http://conversandocomnery.wordpress.com/