Escrever desmedidamente e produzir ruminando sobre o que aprendeu regurgitando algo a mais além da mesmice. Isso é fato. Nessa esteira, pelo menos em tese, a própria vida se encarrega de sinalizar em favor do que foi raciocinado – veja bem: raciocínio sempre se guinado pela dúvida e, por não acreditar, buscar provas que desconstruam o pensamento. Assim, tive a satisfação de conhecer o filósofo e psicanalista Luiz Felipe Pondé, doutor em Filosofia pela USP/Universidade de Paris e pós doutorado em Epistemologia pela Universidade de Tel Aviv.
Confesso que títulos pouco me impressionam. Títulos qualquer um pode ter com esforço, oportunidade e vontade. Entretanto, os frutos intelectuais (produção) advindos desse título, esses sim, me mostram que ainda vale a pena estudar.
Confesso também que não conhecia Pondé nem suas ideias, todavia ao ler uma de suas entrevistas e visitar seus textos pude compreender que sua magnitude extrapola a compreensão de quem teima em olhar pelo senso comum. Assim, trouxe uma parcela de seu inconformismo para somar à vontade de escrever sobre essa relação entre homem e o uso de substâncias psicoativas.
Então, para iniciar essa discussão, faço uso da lembrança realizada por Ponde na entrevista que li. Segundo Aristóteles, nenhum homem pode proclamar sua própria virtude. A virtude de um homem deve ser divulgada por outros homens. Bem, se a sociedade permanecesse inerte em sua maledicência, o enunciado de Aristóteles permaneceria com valor inquestionável. Mas o que dizer dessa afirmação diante do mundo contemporâneo?
Pois bem, nessa linha de raciocínio, é que contesto os “pseudo” estudiosos que aproveitam o clamor social revelado pela mídia nacional e local para dar vazão ao vazio de suas falácias intelectuais posto que visitam antigas ideias e tentam, a todo custo – principalmente financeiro – emplacar experiências que nascem mortas no que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas pelo Homem.
Aliás, experiências malogradas natimortas guiadas pela necessidade de receber aporte financeiro focado somente nas drogas e na dependência química. Experiências que insistem sempre em palavras como processo, construção, discussão, aporte intelectual e outras tantas para nomear a inércia intelectual de se discutir o sexo dos anjos enquanto o consumo de substâncias psicoativas aumenta avassaladoramente.
Esses processos, estudos, construções, discussões ou qualquer nome que seja ignoram a relevância do tema e a necessidade de uma discussão muito mais focada na transdisciplinaridade que o tema requer e na compreensão do papel do sujeito nessa relação com as substâncias psicoativas. Dotar a população desses conhecimentos terá um efeito preventivo cuja extensão se replicará no futuro.
Essa é a linha que deveria ser adotada e não se fechar em “laboratórios” em busca de fórmulas genéricas para aplicação nos mais diversos estágios do uso de substâncias psicoativas, seus danos, efeitos etc. Cada “fórmula” deve nascer de uma realidade próxima daquele contexto social o qual o homem está inserido. Para isso os estudos devem ser localizados, todavia, sem perder a visão do todo, pois ignorar o sistema de convivência social em plena era virtual é olvidar do poder da comunicação. Cada descoberta e experimentação científica devem ser amplamente divulgadas sem o receio de os autores ficarem sem os seus “créditos”. A divulgação fará com que cada região proceda a uma adaptação e crie algo novo e assim sucessivamente até o ponto em que haverá uma significativa redução do uso de substâncias psicoativas, pois a repressão “empurra” a relação Homem e substâncias psicoativas para outros espaços de convivência os quais não sabem lidar com o problema e passam a recorrer à repressão, à proibição como primeiro recurso olvidando da força da educação e da prevenção acerca do tema.
Ao contrário da divulgação, existe uma corrida desmedida em busca de recursos financeiros para dar aporte a projetos miraculosos onde a teoria dá lugar à prática – ou experiências práticas pautadas em teorias que dão supedâneo a outras práticas e assim por diante. O derrame de dinheiro em propostas para por termo ao problema do uso de substâncias psicoativas cria uma falsa expectativa e alardeia soluções que se dissolvem na chuva de notícias do avanço do consumo dessas substâncias e da mostra na mídia da relação danosa que seu uso provoca.
Essas falsas expectativas ganham contornos de medo social, aliás, terror social, principalmente quando supostos estudiosos invadem o espaço midiático ora pra dizer que a “guerra contra as drogas está perdida” ora pra discursar sobre as consequencias do uso de substâncias psicoativas sem realmente propor soluções ou pelo menos indicar um caminho que não seja aquele de estar esperando recursos financeiros do poder público ara desenvolver um projeto em um lugar tal.
Ação. Agir. Atuar. Desenvolver uma atividade sem esperar que esses recursos se originem do céu governamental é enfrentar realmente essa problemática partindo do primeiro passo. Ou seja, teorizar nas universidades em grupos de pesquisa e experimentar e experienciar nos locais e grupos sociais próximos dessa realidade acadêmica para, em seguida, divulgar os resultados sempre considerando a importância da informação, do conhecimento, respeito aos saberes e conhecimentos de cada contexto social, responsabilizando-se e dando responsabilidade para que os atores envolvidos no processo de desconstrução do uso de substâncias psicoativas possam desenvolver o sentimento de pertencimento com esse processo e possam engajar-se de forma completa envolvidos, pois se enxergam naquela comunidade num processo de identificação e necessidade de uma “limpeza” desse problema.
Nesse contexto, o dinheiro é importante, pois existem questões secundárias. Dinheiro é importante, mas não quer dizer que seja primordial. Torna-se relevante para o suporte de um processo maior que requer simplesmente boa vontade em realizar estudos e pesquisas propondo respostas, como outrora dito, com base na realidade social do sujeito pesquisado e não se objetivando realizar um processo de aculturação do sujeito envolvido.
Conhecimento, pensamento crítico sem utopias. Raciocinar com base na realidade local considerando a aldeia global. Levar o poder e a força do conhecimento para que a comunidade se encontre, enxergue a si mesma e possa, por meio de uma leitura autocrítica, erguer a vista para um horizonte menos tempestuoso em relação ao uso de substâncias psicoativas.
Escrever desmedidamente e produzir ruminando sobre o que aprendeu regurgitando algo a mais além da mesmice. Isso é fato. Nessa esteira, pelo menos em tese, a própria vida se encarrega de sinalizar em favor do que foi raciocinado – veja bem: raciocínio sempre se guinado pela dúvida e, por não acreditar, buscar provas que desconstruam o pensamento de que a “guerra contra as drogas está perdida” ou que é necessário o derramamento de milhões de reais para aplacar a fome e a sede de uma guerra fria entre a medicina e as comunidades terapêuticas que, enquanto lutam pela hegemonia do saber e prevalência de suas terapias/tratamentos, deixam de compreender a relação histórica entre o homem e o uso de substâncias psicoativas.
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