Texto produzido pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde
Breve panorama do crack
O  panorama mundial da difusão do uso do cloridrato de cocaína (pó) por  aspiração intranasal esteve associado, a partir da década de 60, à falta  de algumas drogas no mercado, como a anfetamina e a maconha, devido às  ações repressivas. Contudo, o alto preço do produto levou usuários de  drogas à descoberta de outras formas de uso com efeitos mais intensos,  apesar de menor duração. Desse cenário, no início de 1980, aparecem  novas drogas obtidas a partir da mistura de cloridrato de cocaína com  ingredientes cada vez mais incertos e tóxicos. Tempos depois, surge o  uso do crack, outra forma fumável de cocaína, disseminando-se no Brasil,  oficialmente a partir de 1989, alastrando-se atualmente, em vários  segmentos sociais de gênero, sexo, idade e classe social.   
Na  produção de crack não há o processo de purificação final. O cloridrato  de cocaína é dissolvido em água e adicionado em bicarbonato de sódio.  Essa mistura é aquecida e, quando seca, adquire a forma de pedras duras e  fumáveis. Além dos alcalóides de cocaína e bicarbonato de sódio, essas  pedras contêm as sobras de todos os ingredientes que já haviam sido  adicionados anteriormente durante o refino da cocaína. As pedras de  crack são vendidas já prontas para serem fumadas. Sua composição conta  com uma quantidade imprecisa de cocaína, suficiente para que possa  produzir efeitos fortes e intensos. Além disso, para obter a produção  final do crack são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas  como gasolina, querosene e até água de bateria.
O  uso disseminado do crack no mundo das drogas está relacionado a vários  fatores que levaram a uma grave transformação, tanto na oferta quanto na  procura. De um lado, o controle mundial repressivo sobre os insumos  químicos necessários a sua produção – como éter e acetona – leva os  produtores a baratear cada vez mais sua fabricação, com a utilização  indiscriminada de outros ingredientes altamente impuros. Quanto mais  barata sua produção, mais rentável é sua venda. Por outro lado, o crack  representa para a população usuária de drogas um tipo de cocaína  acessível, pois vendido em pequenas unidades baratas, oferece efeitos  rápidos e intensos. Entretanto, a desejada intoxicação cocaínica  proporcionada pelo crack provoca efeitos de pouca duração, o que leva o  usuário a fumar imediatamente outra pedra. Esse ciclo ininterrupto de  uso potencializa os prejuízos à saúde física, as possibilidades de  dependência e os danos sociais. A inovação no mercado das drogas com a  entrada do crack atraiu pequenos traficantes, agravou ainda mais a  situação, com o aumento incontrolável de produções caseiras, se  diferenciando conforme a região do país. 
À  cocaína é misturada uma variedade incerta de reagentes químicos em sua  preparação. O desconhecimento quanto a sua composição pode dificultar,  muitas vezes, as intervenções emergenciais de cuidados à saúde nos casos  de intoxicação aguda sofrida por alguns usuários. Tais condições,  porém, não impossibilitam o desenvolvimento de ações voltadas à saúde e  ao bem-estar social da referida população
Formas de uso e seus efeitos   
O  crack é fumado por ser uma forma mais rápida (e barata) de a droga  chegar ao cérebro e produzir seus efeitos. A pedra é quebrada e fumada  de diversas maneiras e em diferentes recipientes: enrolada no cigarro de  tabaco ou misturada na maconha – forma que parece amenizar  psiquicamente os efeitos maléficos da droga, como o sentimento de  perseguição, a agitação motora e posteriormente a depressão. É também  fumado em cachimbos improvisados feitos em tubos de PVC ou em latas de  alumínio muitas vezes coletados na rua ou no lixo, apresentando  possibilidades de contaminação infecciosa. O uso de latas favorece a  aspiração de grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo  intoxicação pulmonar muito intensa.    
            São  vários os tipos de danos causados pelo uso de crack. Além dos problemas  respiratórios pela inspiração de partículas sólidas, sua ação  estimulante leva à perda de apetite, falta de sono e agitação motora e, a  dificuldade de ingestão de alimentos pode levar à desnutrição,  desidratação e gastrite. Podem ser ainda observados sintomas físicos  como rachadura nos lábios pela falta de ingestão de água e de salivação,  cortes e queimaduras nos dedos das mãos e às vezes no nariz, provocados  pelo ato de quebrar e acender a pedra, além de ficar o usuário mais  exposto ao risco social e de doenças. 
Dados epidemiológicos   
O cenário epidemiológico do crack no Brasil, segundo o CEBRID, aponta:   
1.      População geral, cidades com mais de 200.000 habitantes (2001 e 2005)  
|               |                            2001   |                            2005   |          ||||
|               |                            homens   |                            mulheres   |                            total   |                            homens   |                            mulheres  |                            total   |          
|               Crack: uso na vida (%)   |                            0,7   |                            0,2   |                            0,4    |                            1,5   |                            0,2    |                            0,7   |          
2.      Estudantes de 10 a 19 anos, ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, (2004) – padrão de consumo de crack  
|               Padrão de uso    |                            %   |          
|               Uso na vida   |                            0,7   |          
|               Uso no ano   |                            0,7   |          
|               Uso no mês    |                            0,5    |          
|               Uso freqüente* 6 ou mais vezes nos últimos 30 dias   |                            0,1    |          
|               Uso pesado** 20 ou mais vezes nos últimos 30 dias   |                            0,1   |          
3.      Crianças e adolescentes, de 9 a 18 anos, em situação de rua (27 capitais brasileiras - 2003)  
|               Uso no ano    |                            8,6%   |          
|               Uso no mês  |                            5,5%    |          
           Gestores de saúde mental relatam aumento no consumo de crack em regiões  que não apresentavam consumo significativo da droga, em especial no  nordeste e nas cidades fora dos grandes centros urbanos. O aumento  parece estar relacionado com o baixo custo e as características dos  efeitos procurados, embora sejam necessários estudos e pesquisa sobre a  influência desses ou outros fatores.
            Atenção integral em saúde e saúde mental aos usuários de crack   
Como  todo uso de drogas está associado a fatores biopsicossociais, o consumo  de crack não é diferente. Além dos problemas físicos já descritos, há  os de ordem psicológica, social e legal. Ocorrem graves perdas nos  vínculos familiares, nos espaços relacionais, nos estudos e no trabalho,  bem como a troca de sexo por drogas e, ainda, podendo chegar à  realização de pequenos delitos para a aquisição da droga. Há  controvérsia se tais condutas socialmente desaprovadas têm relação com o  estado de “fissura” para usar ou se resulta da própria intoxicação. A  unanimidade é que o usuário desemboca numa grave e complexa exclusão  social.   
As  abordagens ao usuário de crack exigem criatividade, paciência e  respeito aos seus direitos, enquanto cidadão, para superar seu estado de  vulnerabilidade, riscos, estigma e marginalização. Estratégias  preventivas podem ser levantadas não somente entre esse novo grupo, como  também dirigidas àqueles usuários que, por algum motivo, ainda não se  aventuraram nesse tipo de droga. O atendimento ao dependente de crack  deve considerar alguns importantes critérios:  
      1.            O usuário que não procura tratamento:  a ele devem ser dirigidas estratégias de cuidados à saúde, de redução  de danos e de riscos sociais e à saúde. As ações devem ser oferecidas e  articuladas por uma rede pública de serviços de saúde e de ações sociais  e devem ser feitas por equipes itinerantes, como os consultórios de  rua,  que busquem ativamente ampliar o acesso aos  cuidados em saúde e em saúde mental destes usuários. A perspectiva dessa  abordagem objetiva os cuidados da saúde como também as possibilidades  de inserção social.  
      2.            A  porta de entrada na rede de atenção em saúde deve ser a Estratégia de  Saúde Família e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes  serviços especializados devem ser os organizadores das demandas de saúde  mental no território. Os CAPS devem dar apoio especializado às ESF,  fazer articulações intersetoriais (educação, assistência social,  justiça, cultura, entre outros) e encaminhar e acompanhar os usuários à  internação em hospitais gerais, quando necessário.   
      3.            Quando o usuário acessa as equipes de saúde e de saúde mental,  é  necessária uma avaliação clínica das suas condições de saúde física e  mental, para a definição das intervenções terapêuticas que devem ser  desenvolvidas. É importante que se faça uma avaliação de risco pelas  equipes de saúde para se definir se é necessária ou não a internação.  
      4.            A  internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede  pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais  das complicações orgânicas e/ou à presença de algum tipo de  co-morbidade desenvolvida com o uso. É concebível e muito comum que  usuários de crack, ainda que num padrão de uso preocupante, resistam à  internação e optem pela desintoxicação e cuidados clínicos em regime  aberto, acompanhado nos CAPSad por uma equipe interdisciplinar, nos  níveis de atendimento intensivo, semi-intensivo e até o não intensivo.  Nesse caso, a boa evolução clínica, psíquica e social dependerá da  articulação inter e intrasetorial das redes de apoio, inclusive e se  possível, com mobilização familiar.  
      5.            A  decisão pela internação deve ser compreendida como parte do tratamento,  atrelada a um projeto terapêutico individual e, assim como a alta  hospitalar e o pós-alta, deve ser de natureza interdisciplinar.  Intervenções e procedimentos isolados mostram-se ineficazes, com pouca  adesão e curta duração, além de favorecer o descrédito e desalento da  família e mais estigma ao usuário.   
Estratégias de intervenção e cuidados da rede de saúde:   
- Avaliação interdisciplinar para cuidados clínicos (e psiquiátricos, se necessário)
 - Construção de Projeto Terapêutico Individual, articulado inter e intrasetorialmente
 - Atenção básica (via ESF e NASF, com participação de profissionais de AD)
 - CAPSad – acolhimento nos níveis intensivo, semi-intensivo até não intensivo
 - Leitos em hospital geral
 - Consultórios de rua, casas de passagem
 - Estratégias de redução de danos
 - Articulação com outras Políticas Públicas: Ação Social, Educação, Trabalho, Justiça, Esporte, Direitos Humanos, Moradia.
 -          
 
 Referências bibliográficas de consulta: 
1. Domanico, A. & MacRae, E. Estratégias de Redução de Danos entre Usuários de Crack. In: Silveira, D. X. & Moreira, F. G. Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Ed. Atheneu, 2006.
2. Silveira, DX, Labigalini E. e Rodrigues, LR Redução de danos no uso de maconha por dependentes de crack. In: SOS crack prevenção e tratamento. Governo do Estado de São Paulo, 1998.
3. Andrade, AG, Leite, MC e col. Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
4. Governo de São Paulo. SOS crack: prevenção e tratamento, diretrizes e resumos de trabalhos, 1999.
5. Silva, SL. Mulheres da luz: uma etnografia dos usos e da preservação no uso do crack. 2000.
 
1. Domanico, A. & MacRae, E. Estratégias de Redução de Danos entre Usuários de Crack. In: Silveira, D. X. & Moreira, F. G. Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Ed. Atheneu, 2006.
2. Silveira, DX, Labigalini E. e Rodrigues, LR Redução de danos no uso de maconha por dependentes de crack. In: SOS crack prevenção e tratamento. Governo do Estado de São Paulo, 1998.
3. Andrade, AG, Leite, MC e col. Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
4. Governo de São Paulo. SOS crack: prevenção e tratamento, diretrizes e resumos de trabalhos, 1999.
5. Silva, SL. Mulheres da luz: uma etnografia dos usos e da preservação no uso do crack. 2000.
15.dezembro.2009
Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool & Outras Drogas
