quarta-feira, 25 de maio de 2011

O crack: como lidar com este grave problema (I)


Texto produzido pela Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde

Breve panorama do crack
O panorama mundial da difusão do uso do cloridrato de cocaína (pó) por aspiração intranasal esteve associado, a partir da década de 60, à falta de algumas drogas no mercado, como a anfetamina e a maconha, devido às ações repressivas. Contudo, o alto preço do produto levou usuários de drogas à descoberta de outras formas de uso com efeitos mais intensos, apesar de menor duração. Desse cenário, no início de 1980, aparecem novas drogas obtidas a partir da mistura de cloridrato de cocaína com ingredientes cada vez mais incertos e tóxicos. Tempos depois, surge o uso do crack, outra forma fumável de cocaína, disseminando-se no Brasil, oficialmente a partir de 1989, alastrando-se atualmente, em vários segmentos sociais de gênero, sexo, idade e classe social.  
Na produção de crack não há o processo de purificação final. O cloridrato de cocaína é dissolvido em água e adicionado em bicarbonato de sódio. Essa mistura é aquecida e, quando seca, adquire a forma de pedras duras e fumáveis. Além dos alcalóides de cocaína e bicarbonato de sódio, essas pedras contêm as sobras de todos os ingredientes que já haviam sido adicionados anteriormente durante o refino da cocaína. As pedras de crack são vendidas já prontas para serem fumadas. Sua composição conta com uma quantidade imprecisa de cocaína, suficiente para que possa produzir efeitos fortes e intensos. Além disso, para obter a produção final do crack são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas como gasolina, querosene e até água de bateria.
O uso disseminado do crack no mundo das drogas está relacionado a vários fatores que levaram a uma grave transformação, tanto na oferta quanto na procura. De um lado, o controle mundial repressivo sobre os insumos químicos necessários a sua produção – como éter e acetona – leva os produtores a baratear cada vez mais sua fabricação, com a utilização indiscriminada de outros ingredientes altamente impuros. Quanto mais barata sua produção, mais rentável é sua venda. Por outro lado, o crack representa para a população usuária de drogas um tipo de cocaína acessível, pois vendido em pequenas unidades baratas, oferece efeitos rápidos e intensos. Entretanto, a desejada intoxicação cocaínica proporcionada pelo crack provoca efeitos de pouca duração, o que leva o usuário a fumar imediatamente outra pedra. Esse ciclo ininterrupto de uso potencializa os prejuízos à saúde física, as possibilidades de dependência e os danos sociais. A inovação no mercado das drogas com a entrada do crack atraiu pequenos traficantes, agravou ainda mais a situação, com o aumento incontrolável de produções caseiras, se diferenciando conforme a região do país.
À cocaína é misturada uma variedade incerta de reagentes químicos em sua preparação. O desconhecimento quanto a sua composição pode dificultar, muitas vezes, as intervenções emergenciais de cuidados à saúde nos casos de intoxicação aguda sofrida por alguns usuários. Tais condições, porém, não impossibilitam o desenvolvimento de ações voltadas à saúde e ao bem-estar social da referida população
Formas de uso e seus efeitos  
O crack é fumado por ser uma forma mais rápida (e barata) de a droga chegar ao cérebro e produzir seus efeitos. A pedra é quebrada e fumada de diversas maneiras e em diferentes recipientes: enrolada no cigarro de tabaco ou misturada na maconha – forma que parece amenizar psiquicamente os efeitos maléficos da droga, como o sentimento de perseguição, a agitação motora e posteriormente a depressão. É também fumado em cachimbos improvisados feitos em tubos de PVC ou em latas de alumínio muitas vezes coletados na rua ou no lixo, apresentando possibilidades de contaminação infecciosa. O uso de latas favorece a aspiração de grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo intoxicação pulmonar muito intensa.   
            São vários os tipos de danos causados pelo uso de crack. Além dos problemas respiratórios pela inspiração de partículas sólidas, sua ação estimulante leva à perda de apetite, falta de sono e agitação motora e, a dificuldade de ingestão de alimentos pode levar à desnutrição, desidratação e gastrite. Podem ser ainda observados sintomas físicos como rachadura nos lábios pela falta de ingestão de água e de salivação, cortes e queimaduras nos dedos das mãos e às vezes no nariz, provocados pelo ato de quebrar e acender a pedra, além de ficar o usuário mais exposto ao risco social e de doenças.
Dados epidemiológicos  
O cenário epidemiológico do crack no Brasil, segundo o CEBRID, aponta:  
1.      População geral, cidades com mais de 200.000 habitantes (2001 e 2005) 

2001
2005
homens
mulheres
total
homens 
mulheres
total 
Crack: uso na vida (%)
0,7 
0,2
0,4  
1,5
0,2  
0,7
                  
2.      Estudantes de 10 a 19 anos, ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, (2004) – padrão de consumo de crack  
Padrão de uso  
%
Uso na vida
0,7
Uso no ano
0,7
Uso no mês  
0,5  
Uso freqüente* 6 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1  
Uso pesado** 20 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1
                                      
3.      Crianças e adolescentes, de 9 a 18 anos, em situação de rua (27 capitais brasileiras - 2003)  
Uso no ano  
8,6%
Uso no mês
5,5%  


          Gestores de saúde mental relatam aumento no consumo de crack em regiões que não apresentavam consumo significativo da droga, em especial no nordeste e nas cidades fora dos grandes centros urbanos. O aumento parece estar relacionado com o baixo custo e as características dos efeitos procurados, embora sejam necessários estudos e pesquisa sobre a influência desses ou outros fatores.
            Atenção integral em saúde e saúde mental aos usuários de crack  
Como todo uso de drogas está associado a fatores biopsicossociais, o consumo de crack não é diferente. Além dos problemas físicos já descritos, há os de ordem psicológica, social e legal. Ocorrem graves perdas nos vínculos familiares, nos espaços relacionais, nos estudos e no trabalho, bem como a troca de sexo por drogas e, ainda, podendo chegar à realização de pequenos delitos para a aquisição da droga. Há controvérsia se tais condutas socialmente desaprovadas têm relação com o estado de “fissura” para usar ou se resulta da própria intoxicação. A unanimidade é que o usuário desemboca numa grave e complexa exclusão social.  
As abordagens ao usuário de crack exigem criatividade, paciência e respeito aos seus direitos, enquanto cidadão, para superar seu estado de vulnerabilidade, riscos, estigma e marginalização. Estratégias preventivas podem ser levantadas não somente entre esse novo grupo, como também dirigidas àqueles usuários que, por algum motivo, ainda não se aventuraram nesse tipo de droga. O atendimento ao dependente de crack deve considerar alguns importantes critérios: 
      1.            O usuário que não procura tratamento: a ele devem ser dirigidas estratégias de cuidados à saúde, de redução de danos e de riscos sociais e à saúde. As ações devem ser oferecidas e articuladas por uma rede pública de serviços de saúde e de ações sociais e devem ser feitas por equipes itinerantes, como os consultórios de rua,  que busquem ativamente ampliar o acesso aos cuidados em saúde e em saúde mental destes usuários. A perspectiva dessa abordagem objetiva os cuidados da saúde como também as possibilidades de inserção social. 
      2.            A porta de entrada na rede de atenção em saúde deve ser a Estratégia de Saúde Família e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes serviços especializados devem ser os organizadores das demandas de saúde mental no território. Os CAPS devem dar apoio especializado às ESF, fazer articulações intersetoriais (educação, assistência social, justiça, cultura, entre outros) e encaminhar e acompanhar os usuários à internação em hospitais gerais, quando necessário.  
      3.            Quando o usuário acessa as equipes de saúde e de saúde mental,  é necessária uma avaliação clínica das suas condições de saúde física e mental, para a definição das intervenções terapêuticas que devem ser desenvolvidas. É importante que se faça uma avaliação de risco pelas equipes de saúde para se definir se é necessária ou não a internação. 
      4.            A internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais das complicações orgânicas e/ou à presença de algum tipo de co-morbidade desenvolvida com o uso. É concebível e muito comum que usuários de crack, ainda que num padrão de uso preocupante, resistam à internação e optem pela desintoxicação e cuidados clínicos em regime aberto, acompanhado nos CAPSad por uma equipe interdisciplinar, nos níveis de atendimento intensivo, semi-intensivo e até o não intensivo. Nesse caso, a boa evolução clínica, psíquica e social dependerá da articulação inter e intrasetorial das redes de apoio, inclusive e se possível, com mobilização familiar. 
      5.            A decisão pela internação deve ser compreendida como parte do tratamento, atrelada a um projeto terapêutico individual e, assim como a alta hospitalar e o pós-alta, deve ser de natureza interdisciplinar. Intervenções e procedimentos isolados mostram-se ineficazes, com pouca adesão e curta duração, além de favorecer o descrédito e desalento da  família e mais estigma ao usuário.  
Estratégias de intervenção e cuidados da rede de saúde:  
    1. Avaliação interdisciplinar para cuidados clínicos (e psiquiátricos, se necessário)
    2. Construção de Projeto Terapêutico Individual, articulado inter e intrasetorialmente 
    3. Atenção básica (via ESF e NASF, com participação de profissionais de AD) 
    4. CAPSad – acolhimento nos níveis intensivo, semi-intensivo até não intensivo 
    5. Leitos em hospital geral 
    6. Consultórios de rua, casas de passagem 
    7. Estratégias de redução de danos 
    8. Articulação com outras Políticas Públicas: Ação Social, Educação, Trabalho, Justiça, Esporte, Direitos Humanos, Moradia.

 Referências bibliográficas de consulta:
1. Domanico, A. & MacRae, E. Estratégias de Redução de Danos entre Usuários de Crack. In: Silveira, D. X. & Moreira, F. G. Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Ed. Atheneu, 2006.
2. Silveira, DX, Labigalini E. e Rodrigues, LR Redução de danos no uso de maconha por dependentes de crack. In: SOS crack prevenção e tratamento. Governo do Estado de São Paulo, 1998.
3. Andrade, AG, Leite, MC e col. Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
4. Governo de São Paulo. SOS crack: prevenção e tratamento, diretrizes e resumos de trabalhos, 1999.
5. Silva, SL. Mulheres da luz: uma etnografia dos usos e da preservação no uso do crack. 2000.
 

                                                                                                                                                15.dezembro.2009
Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool & Outras Drogas

Texto sobre a legalização das drogas-Por Bruno Cava

18 de abril de 2011

Legalizar todas as drogas.



A mídia carniceira vibrou com a fala pró-legalização do deputado federal Paulo Teixeira, num debate sobre política de drogas. O líder do PT na Câmara defendeu abertamente a descriminalização da maconha e propôs a criação de cooperativas de usuários para o plantio seguro. Uma declaração corajosa, levando em conta o afastamento de Pedro Abramovay do ministério da justiça, em janeiro, depois de posicionar-se pela despenalização de pequenos comerciantes de substâncias ilícitas.

No fundo, Paulo não falou nada revolucionário, senão no ato performativo de falá-lo na condição de parlamentar. Repetiu uma tendência do direito brasileiro e mundial em despenalizar o usuário, mantendo a repressão sobre o comércio.

O debate ainda se pauta demais por parâmetros liberais. Isto é, discutem-se os limites: até onde se deve proibir, em que ponto traçar a linha entre ingerência estatal e liberdade individual. Nessa direção, sustentar que ao estado cabe educar sobre os efeitos, controlar a qualidade e oferecer tratamento aos viciados, mas não invadir a esfera pessoal da escolha.

Que não deixa de ser bastante razoável. Não há delito de autolesão e existem milhares de drogas lícitas cujo uso descontrolado tem potencial agressor igual ou maior do que as ilegais. Bastam citar o cigarro e a bebida alcóolica, vendidas em qualquer boteco, ou então fármacos tarja-vermelha e preta: analgésicos, estimulantes, remédios para regime, ansiolíticos como o Rivotril. Este último, consumido ma$$ivamente no Brasil (viva a "Nação Rivotril"), induz aguda dependência, é altamente incapacitante, e sua sobredose conduz ao óbito.

Não se trata de "liberar geral". Legalizar significa estabelecer marcos regulatórios que prevejam racionalmente os usos para cada substância. É botar uma bula na maconha, cobrar imposto e impedir que seja misturada com o crack. É esclarecer a respeito de dosagens recreativas (e seus riscos) para o lança-perfume e o ectasy, mas restringir a heroína a reservadíssimos usos medicinais (para doentes terminais de câncer, por exemplo). É viabilizar o uso religioso do Santo Daime, bem como o uso artístico do LSD.

Nenhuma droga é perigosa em si (aliás, nada é perigoso em si). O perigo consiste em usá-la de modo errado, desinformado, imaturo. Como o carro, o sexo, o Big Mac, a arma de fogo. Aí a interdição resta tão nefasta: descontrola o uso ao invés de discipliná-lo, incentiva-o em vez de esclarecer a respeito, incita a violência e a guerra em vez de combatê-las, e corrompe profundamente o sistema policial e, assim, a própria democracia.

É preciso ir além desse debate liberal, e abordar como a proibição de certas drogas constitui peça de uma engrenagem com rendimentos econômicos, eleitorais e políticos. Ultrapassar a discussão dos limites significa desnudar a malha de relações de poder e regimes de acumulação implicados na economia da droga. Ser materialista.

Porque não adianta continuar chovendo no molhado, e ficar só repetindo o quão absurdo é abraçar a política de drogas com o sistema policial/penal. Isso já se sabe. O caso está que a legalização não interessa a quem lucra --- financeira, eleitoral ou politicamente --- em cima de monopólios de produção e venda, e do controle social reflexo, realizado em nome do "combate às drogas" (ex.: a ocupação do complexo do Alemão).

Desbaratar essa máquina de gestão violenta do ilícito, --- o que o filósofo Michel Foucault chamava "economia das ilegalidades" --- não passa somente por argumentos racionais, mas por uma luta política, que legalize todas as substâncias e desmonte as empresas lucrativas de drogas entranhadas unha-e-carne com a atuação do estado.

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A ocasião me concede a licença para reproduzir a tábua dos dez argumentos do Quadrado dos loucos, sobre a proibição das drogas ilícitas:

A criminalização da circulação de uma substância:
1) não coíbe efetivamente o consumo;
2) não desincentiva a demanda;
3) fortalece a aura de rebeldia jovem, ao redor da clandestinidade;
4) conduz à territorialização armada da venda;
5) motiva a violência na defesa e conquista dos territórios monopolizados;
6) motiva a violência policial em resposta, mesmo como pretexto para outras ações;
7) inflaciona o preço, contorna os impostos e reduz drasticamente a qualidade do produto, multiplicando os lucros da cadeia produtiva;
8) facilita a corrupção da polícia, a formação da milícia e o caixa 2 de campanhas eleitorais;
9) confere um corte classista à violência, incidindo sobre populações mais pobres, acentuando o estigma social e racial;
10) financia a máfia internacional, que aufere os principais dividendos do negócio e os utiliza noutras atividades muito piores (tráfico de armas, de mulheres), estendendo tentáculos aos governos nos mais diversos níveis institucionais.
Por tudo isso, nenhuma droga deveria ser assunto de polícia, mas de saúde pública. Como o cigarro e a bebida alcóolica.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack conseguirá atingir os resultados pretendidos?

SIM , Cynthia Studart (Assistente social e pesquisadora)
Quando discutimos sobre drogas, especificamente sobre o crack, é preciso fugir das velhas classificações, estigmatizações e homogeneizações que historicamente marcam este debate e se polarizam entre uma questão de saúde ou de polícia. Ora o usuário um delinquente, ora um doente. O consumo de crack é permeado por dilemas e ambiguidades que o tornam fenômeno bastante complexo e assim deve ser o seu enfrentamento. O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack, criado em maio de 2010 pelo ex-presidente Lula, tem como ideia principal a integração de esforços de diversos órgãos do poder público e como diretrizes os eixos da prevenção, do tratamento, da reinserção social e da repressão qualificada ao tráfico, a partir de ações emergenciais e estruturantes. Tal iniciativa foi sim bastante positiva num contexto de ausência de políticas públicas específicas, embora uma intervenção tardia, considerando o cenário de epidemia que o Brasil está vivenciando. O efeito rápido e estimulante, somado ao preço “relativamente” baixo, faz com que essa droga seja a mais consumida entre as populações vulneráveis como moradores de rua, adolescentes, jovens e mulheres das periferias. Outro dilema a ser considerado é que devido ao alto poder de intoxicação o crack provoca mais facilmente e, em rápido tempo, tolerância e dependência química, transformando, inclusive, vários usuários em pequenos traficantes no mercado varejista da droga. Com densa capilaridade e pulverização, a lógica do consumo, da comercialização e distribuição do crack é diferente das demais drogas, impondo a elaboração de estratégias específicas em áreas distintas, como Saúde, Segurança e Assistência Social, já que vulnerabilidade social, exclusão, violência e criminalidade muitas vezes se misturam. Outro grande desafio para a efetividade do Plano é a produção de conhecimento sobre o consumo de crack no Brasil: padrões de consumo, incidência, prevalência e os danos sociais produzidos. Este conhecimento é essencial para subsidiar ações estratégicas nas políticas públicas e a elaboração de protocolos de atendimento e de cuidados integrados. E ainda a capacitação de lideranças comunitária se dos agentes operacionalizadores, pois de nada adianta ampliar serviços se não discutirmos e pactuarmos conceitualmente e politicamente como eles irão funcionar. Na implementação do Plano outro passo, além da liberação integral dos recursos que foram previstos, é efetivar a pactuação e a articulação dos entes federados, pois se não houver um esforço coletivo das diferentes instâncias com suas devidas competências não teremos como avançar com a grande responsabilização por parte dos municípios. De nada adianta decretar ações se corações e mentes não estiverem comprometidos em tirar essa pedra do nosso caminho


NÃO, Ronaldo Laranjeira (Professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo)
A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) foi criada no governo FHC e até hoje foi gerenciada quase que exclusivamente por generais. Recentemente passou para o Ministério da Justiça. Infelizmente manteve os mesmos profissionais e a mesma filosofia de insensibilidade com a saúde pública e de distanciamento
com a sociedade. A política em relação ao crack é o melhor exemplo da sua ineficiência. Há mais de 10 anos inúmeras associações de profissionais alertam da necessidade de criar uma política vigorosa para o crack. Notava-se a expansão da droga para além de São Paulo. Só em 2010, devido às eleições, a Senad
produziu, de afogadilho, um pomposo plano nacional contra o crack. Quais são minhas principais críticas:
1 – Tolera-se o uso público do crack: o plano parte do princípio de que nada pode ser feito com o usuário que está nas ruas e que deveríamos levar até mesmo um consultório para o local de uso com a intenção de
tratar as pessoas. A Senad alocou mais de R$14 milhões para essa prática sem nunca ter mostrado sua eficácia. Sou francamente desfavorável a esse gasto. Doentes devem ser tratados em ambientes de saúde. Se fossem portadores do HIV ou tuberculosos, a sociedade não toleraria tratá-los na rua. Estudos mostram
que cerca de 27% dos usuários de crack morrem nos primeiros anos de uso. Deixá-los na rua só aumentaria a mortalidade. A prioridade deveria ser claramente tratá-los em ambiente apropriado.
2 – Estratégia de pulverização dos recursos pelo Brasil: o governo alocou cerca de R$ 300 milhões para o crack. No entanto distribuiu sem muita estratégia pelo País, sem a preocupação de criar redes de tratamento. Insiste nos Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-AD) quando as evidências são que poucos usuários de crack aderem ao tratamento ambulatorial. Se não houver alguma
forma de internação acoplada ao ambulatório a eficácia da intervenção é baixa. Poderemos até criar serviços para o crack em alguns estados, mas ficarão desconectados de uma rede assistencial e portanto perderemos todos esses milhões de reais e a oportunidade de protegermos essa população tão vulnerável.
3 – Recusa da Senad de criar uma rede de clínicas especializadas para o crack: o Plano fala na criação de leitos no hospital geral. Isso é muito diferente. Leitos não implicam numa equipe especializada, o que torna praticamente impossível que o gestor de um hospital aceite ter usuário de crack, que normalmente
chega agitado e agressivo, junto com outros doentes.
Pode ser que a Senad queira se reinventar e colocar para trás os anos de chumbo de insensibilidade e descompromisso. Mas terá que mostrar com novos planos e nova equipe, ouvindo a comunidade científica e a sociedade brasileira.

EM TERMO, Juliana Sena (Mestre em Saúde Pública e coordenadora técnica do Pacto pela Vida, articulado pelo Conselho de Altos Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará)
São válidas todas as ações propostas para o enfrentamento ao crack, ao álcool e às outras drogas, especialmente porque tais iniciativas trazem à tona o debate sobre a problemática, despertando assim os gestores de todas as esferas governamentais a tomarem iniciativas localmente. O problema do crack
bem como das outras drogas deve ser tratado com atenção, a fim de que a cada dia se dê um passo em busca de soluções. O Plano Nacional, especificamente, vem acompanhar as iniciativas já existentes
com um diferencial que é o de agregar a diversidade de modalidades de tratamento. A proposta contempla desde as iniciativas de atendimento ambulatorial à internação – o que respeita as necessidades individuais
dos usuários. No entanto, a contemplação por meio de editais diretos aos municípios, sem a elaboração de um diagnóstico pode recair em um erro de não serem contempladas instituições ou modalidades menos conhecidas. E ainda mais, sendo um plano nacional, não se consideram as diferentes situações porque passam as diversas regiões do País. Lidar com a questão de forma integrada é um desafio imposto pela complexidade da questão das drogas. Para isso, o Pacto pela Vida, articulado pela Assembleia Legislativa
do Ceará, organiza-se em eixos temáticos, são eles: prevenção ao uso, tratamento de dependentes, repressão ao tráfico e reinserção Social. Entre as constatações até agora relatadas especialmente no interior do Estado, não há prioridade de políticas para essa temática, somando-se à carência de profissionais capacitados para o atendimento, bem como as ações de prevenção propostas pelas políticas públicas, nas áreas de educação, esporte, cultura entre outras, serem insuficientes para acompanhar o avanço do consumo. A repressão ao tráfico aponta para o aumento considerável de organizações criminosas voltadas para o tráfico de drogas no Ceará. Percebeu-se também o crescimento em todo Estado do microtráfico, ou seja, a venda de pequenas quantidades de drogas nos bairros periféricos das cidades. Já na reinserção social existem algumas ações municipais que buscam operacionalizar uma rede de agentes públicos voltada à inclusão social dos usuários de drogas. Após um período de diagnóstico, quando foram coletados dados e informações sobre as drogas no Ceará, o Pacto pela Vida chega, atualmente, a uma etapa propositiva, por meio de encontros municipais e seminários regionais. Por iniciativa da Assembleia Legislativa, a ideia é discutir a realidade não só na Região Metropolitana, mas também no meio rural, onde já se podem perceber os problemas entre as famílias. O Pacto pela Vida, sobre drogas, atualmente articulado pela Assembleia junto a pouco mais de 220 instituições entre públicas e privadas, está em campo adentrando o interior do Ceará