segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack conseguirá atingir os resultados pretendidos?

SIM , Cynthia Studart (Assistente social e pesquisadora)
Quando discutimos sobre drogas, especificamente sobre o crack, é preciso fugir das velhas classificações, estigmatizações e homogeneizações que historicamente marcam este debate e se polarizam entre uma questão de saúde ou de polícia. Ora o usuário um delinquente, ora um doente. O consumo de crack é permeado por dilemas e ambiguidades que o tornam fenômeno bastante complexo e assim deve ser o seu enfrentamento. O Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack, criado em maio de 2010 pelo ex-presidente Lula, tem como ideia principal a integração de esforços de diversos órgãos do poder público e como diretrizes os eixos da prevenção, do tratamento, da reinserção social e da repressão qualificada ao tráfico, a partir de ações emergenciais e estruturantes. Tal iniciativa foi sim bastante positiva num contexto de ausência de políticas públicas específicas, embora uma intervenção tardia, considerando o cenário de epidemia que o Brasil está vivenciando. O efeito rápido e estimulante, somado ao preço “relativamente” baixo, faz com que essa droga seja a mais consumida entre as populações vulneráveis como moradores de rua, adolescentes, jovens e mulheres das periferias. Outro dilema a ser considerado é que devido ao alto poder de intoxicação o crack provoca mais facilmente e, em rápido tempo, tolerância e dependência química, transformando, inclusive, vários usuários em pequenos traficantes no mercado varejista da droga. Com densa capilaridade e pulverização, a lógica do consumo, da comercialização e distribuição do crack é diferente das demais drogas, impondo a elaboração de estratégias específicas em áreas distintas, como Saúde, Segurança e Assistência Social, já que vulnerabilidade social, exclusão, violência e criminalidade muitas vezes se misturam. Outro grande desafio para a efetividade do Plano é a produção de conhecimento sobre o consumo de crack no Brasil: padrões de consumo, incidência, prevalência e os danos sociais produzidos. Este conhecimento é essencial para subsidiar ações estratégicas nas políticas públicas e a elaboração de protocolos de atendimento e de cuidados integrados. E ainda a capacitação de lideranças comunitária se dos agentes operacionalizadores, pois de nada adianta ampliar serviços se não discutirmos e pactuarmos conceitualmente e politicamente como eles irão funcionar. Na implementação do Plano outro passo, além da liberação integral dos recursos que foram previstos, é efetivar a pactuação e a articulação dos entes federados, pois se não houver um esforço coletivo das diferentes instâncias com suas devidas competências não teremos como avançar com a grande responsabilização por parte dos municípios. De nada adianta decretar ações se corações e mentes não estiverem comprometidos em tirar essa pedra do nosso caminho


NÃO, Ronaldo Laranjeira (Professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo)
A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) foi criada no governo FHC e até hoje foi gerenciada quase que exclusivamente por generais. Recentemente passou para o Ministério da Justiça. Infelizmente manteve os mesmos profissionais e a mesma filosofia de insensibilidade com a saúde pública e de distanciamento
com a sociedade. A política em relação ao crack é o melhor exemplo da sua ineficiência. Há mais de 10 anos inúmeras associações de profissionais alertam da necessidade de criar uma política vigorosa para o crack. Notava-se a expansão da droga para além de São Paulo. Só em 2010, devido às eleições, a Senad
produziu, de afogadilho, um pomposo plano nacional contra o crack. Quais são minhas principais críticas:
1 – Tolera-se o uso público do crack: o plano parte do princípio de que nada pode ser feito com o usuário que está nas ruas e que deveríamos levar até mesmo um consultório para o local de uso com a intenção de
tratar as pessoas. A Senad alocou mais de R$14 milhões para essa prática sem nunca ter mostrado sua eficácia. Sou francamente desfavorável a esse gasto. Doentes devem ser tratados em ambientes de saúde. Se fossem portadores do HIV ou tuberculosos, a sociedade não toleraria tratá-los na rua. Estudos mostram
que cerca de 27% dos usuários de crack morrem nos primeiros anos de uso. Deixá-los na rua só aumentaria a mortalidade. A prioridade deveria ser claramente tratá-los em ambiente apropriado.
2 – Estratégia de pulverização dos recursos pelo Brasil: o governo alocou cerca de R$ 300 milhões para o crack. No entanto distribuiu sem muita estratégia pelo País, sem a preocupação de criar redes de tratamento. Insiste nos Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-AD) quando as evidências são que poucos usuários de crack aderem ao tratamento ambulatorial. Se não houver alguma
forma de internação acoplada ao ambulatório a eficácia da intervenção é baixa. Poderemos até criar serviços para o crack em alguns estados, mas ficarão desconectados de uma rede assistencial e portanto perderemos todos esses milhões de reais e a oportunidade de protegermos essa população tão vulnerável.
3 – Recusa da Senad de criar uma rede de clínicas especializadas para o crack: o Plano fala na criação de leitos no hospital geral. Isso é muito diferente. Leitos não implicam numa equipe especializada, o que torna praticamente impossível que o gestor de um hospital aceite ter usuário de crack, que normalmente
chega agitado e agressivo, junto com outros doentes.
Pode ser que a Senad queira se reinventar e colocar para trás os anos de chumbo de insensibilidade e descompromisso. Mas terá que mostrar com novos planos e nova equipe, ouvindo a comunidade científica e a sociedade brasileira.

EM TERMO, Juliana Sena (Mestre em Saúde Pública e coordenadora técnica do Pacto pela Vida, articulado pelo Conselho de Altos Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará)
São válidas todas as ações propostas para o enfrentamento ao crack, ao álcool e às outras drogas, especialmente porque tais iniciativas trazem à tona o debate sobre a problemática, despertando assim os gestores de todas as esferas governamentais a tomarem iniciativas localmente. O problema do crack
bem como das outras drogas deve ser tratado com atenção, a fim de que a cada dia se dê um passo em busca de soluções. O Plano Nacional, especificamente, vem acompanhar as iniciativas já existentes
com um diferencial que é o de agregar a diversidade de modalidades de tratamento. A proposta contempla desde as iniciativas de atendimento ambulatorial à internação – o que respeita as necessidades individuais
dos usuários. No entanto, a contemplação por meio de editais diretos aos municípios, sem a elaboração de um diagnóstico pode recair em um erro de não serem contempladas instituições ou modalidades menos conhecidas. E ainda mais, sendo um plano nacional, não se consideram as diferentes situações porque passam as diversas regiões do País. Lidar com a questão de forma integrada é um desafio imposto pela complexidade da questão das drogas. Para isso, o Pacto pela Vida, articulado pela Assembleia Legislativa
do Ceará, organiza-se em eixos temáticos, são eles: prevenção ao uso, tratamento de dependentes, repressão ao tráfico e reinserção Social. Entre as constatações até agora relatadas especialmente no interior do Estado, não há prioridade de políticas para essa temática, somando-se à carência de profissionais capacitados para o atendimento, bem como as ações de prevenção propostas pelas políticas públicas, nas áreas de educação, esporte, cultura entre outras, serem insuficientes para acompanhar o avanço do consumo. A repressão ao tráfico aponta para o aumento considerável de organizações criminosas voltadas para o tráfico de drogas no Ceará. Percebeu-se também o crescimento em todo Estado do microtráfico, ou seja, a venda de pequenas quantidades de drogas nos bairros periféricos das cidades. Já na reinserção social existem algumas ações municipais que buscam operacionalizar uma rede de agentes públicos voltada à inclusão social dos usuários de drogas. Após um período de diagnóstico, quando foram coletados dados e informações sobre as drogas no Ceará, o Pacto pela Vida chega, atualmente, a uma etapa propositiva, por meio de encontros municipais e seminários regionais. Por iniciativa da Assembleia Legislativa, a ideia é discutir a realidade não só na Região Metropolitana, mas também no meio rural, onde já se podem perceber os problemas entre as famílias. O Pacto pela Vida, sobre drogas, atualmente articulado pela Assembleia junto a pouco mais de 220 instituições entre públicas e privadas, está em campo adentrando o interior do Ceará

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